Os efeitos jurídicos nas relações de consumo foram diretamente afetados pela pandemia do Coronavírus, especialmente no que diz respeito às viagens aéreas, hospedagens, passeios agendados, entre outros.

Surgem algumas questões, portanto, sobre a força maior e sua relação com o Código de Defesa do Consumidor, cabendo aqui explicar como funciona essa relação e se ela será mantida durante a pandemia do COVID-19.

Inicialmente, é necessário entender que o sistema de responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor tem como base a teoria do risco da atividade, ou seja, o empresário tem a liberdade de explorar o mercado de consumo, assumindo o risco de sucesso ou de fracasso. 

Desta forma, o risco tem relação direta com o poder de escolha, uma vez que o empresário não é obrigado a realizar determinada atividade e, se o faz, é porque quer, assumindo o risco de ganhar ou perder, respondendo, assim, por eventuais danos que os produtos e serviços colocados no mercado possam ocasionar.

O Código de Defesa do Consumidor, como visto anteriormente, é baseado na teoria do risco, motivo pelo qual estabeleceu que para os fornecedores em geral a responsabilidade civil é objetiva (com exceção dos profissionais liberais, que respondem por culpa). 

Em vista isto, o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, cuida, em seu parágrafo 3º, das excludentes de responsabilidade, que tecnicamente trata das excludentes do nexo de causalidade, sendo elas: demonstração de inexistência do defeito e prova da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

Possível notar que a lei consumerista não inclui como excludente do nexo de causalidade o caso fortuito e a força maior. 

Acontece que o Código Civil regulou o serviço de transporte em seu artigo 734 que diz que o transportador responderá pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente de responsabilidade. 

Isso não significa que haveria uma contradição entre dispositivos legais, uma vez que, quando o Código Civil fala em força maior, está se referindo ao fortuito externo, ou seja, o elemento exterior ao próprio risco específico da atividade do prestador de serviço de transporte. Já o Código de Defesa do Consumidor afasta a força maior e o caso fortuito no sentido dos elementos intrínsecos ao risco da atividade do transportador, ou seja, o fortuito interno. 

Portanto, tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto o Código Civil mantém o nexo de causalidade e a responsabilidade objetiva do transportador toda vez que o dano for ocasionado por força maior ou fortuito internos, valendo-se desta regra o serviço de transporte, o serviço de hospedagem, os pacotes de viagem etc. 

Isso significa que, se for o caso de certas ocorrências da natureza, como chuvas e nevoeiros, ainda que o transporte aéreo seja afetado por esse evento climático, este não poderá se escusar de indenizar os passageiros que sofreram danos porque o fenômeno é integrante do risco daquele negócio. 

Porém, quando se trata de fortuito externo, está se fazendo referência a um evento que não tem como fazer parte da previsão pelo empresário na determinação do seu risco profissional. É o que acontece na eclosão de uma pandemia, como a do Coronavírus. 

Deste modo, não responderiam as companhias aéreas pelos atrasos e cancelamentos forçados por causa das medidas de segurança adotadas.

Por outro lado, os consumidores não podem ser responsabilizados por cancelarem os voos marcados ou por mudarem a data da viagem, devendo ficar livres do pagamento de multas e, se não puderem mais viajar, podendo pedir o reembolso dos valores já pagos. 

Isso porque o evento é incerto, ou seja, o fortuito externo atinge inteiramente a relação jurídica de consumo. Assim, não se pode responsabilizar a companhia aérea pelo cancelamento do voo, da mesma forma que devem ser devolvidos os eventuais valores já adiantados, caso haja cancelamento definitivo pelo consumidor. 

O mesmo acontece com o cancelamento de hotéis e outras atividades atreladas à viagem afetada pela circunstância excepcional, que, no caso em tela, é a pandemia do COVID-19.

Desta forma, conclui-se que, como o caso fortuito externo é causa de extinção da relação causal, está ausente o dever de indenizar, tendo em vista que falta o elemento nexo causal entre a conduta e o dano para se aferir a responsabilização do agente, não respondendo as  companhias aéreas pelos atrasos e cancelamentos forçados por causa das medidas de segurança adotadas face ao Coronavírus, estando os consumidores livres do pagamento de multas e podendo solicitar o reembolso dos valores já pagos.

TCT Advogados

Postado por: TCT Advogados, atualizado em: 08/04/2020

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